Pensa na tradição. Diz para si mesmo: eu sou alimentado pelos séculos, vivo afogado na historia de outros homens. E sua alma é atravessada pelo sopro primordial. Mas tem a alma perdida: é um inocente que maneja o fogo dos infernos. Abre-se ao fundo de sua meditação um grande lago: a solidão, e em volta passeiam vacas. (...)
Ja nao escreve poemas nem pergunta às pessoas o seu nome. Ele próprio, visto estar destinado à inteira perdição, vai perdendo o nome pelo país adiante. Agora vigia a paz devoradora dos animais, as coisas, a imobilidade. Vou partir - imagina. As cidades ardem, os campos enlouquecem. Um poeta tem de partir, repartir, repartir-se. (...)
Ele olhava o sol verde entre as patas das vacas e supunha poder envenenar-se legando o cadáver à confusão holandesa. E como se alimentaria essa confusão, como seria divertido o pequeno quadro holandês! - Senhor, que lhe aconteceu? Salva-lhe a alma se puderes. Ele era um estrangeiro: envenenou-se. Nada mais sabemos.
Herberto Helder
(Os Passos em Volta)
Saint Rémy de Provence, na França